Wagner Cordeiro Chagas
(Mestre em História pela UFGD, professor da rede estadual em Fátima do Sul nas escolas Vicente Pallotti e Filinto Müller, e membro da diretoria do Simted)
“Zé, segura mais um pouquinho aí que o governo ainda não pagou meu salário”. Esta é uma das falas que me recordo quando trabalhava com meu pai em nossa lanchonete na praça central de Fátima do Sul, e, se não me falhe a memória, era um policial militar cliente nosso que dizia isso, lá pela segunda metade da década de 1990. Eram os difíceis tempos de instabilidade salarial do servidor público sul-mato-grossense.
É sempre bom recorrer à História para que erros do passado não se repitam. Os funcionários mais antigos se lembram da luta que era para ter o salário pago em dia. No entanto, muitos dos atuais servidores não conhecem esse drama. Assim, como pesquisador da história política de Mato Grosso do Sul, desde 2007, tenho me debruçado sobre várias fontes que permitem fazer um balanço dessa questão.
Instalado o estado em 1979, o primeiro problema com atraso salarial por parte do Estado se deu no primeiro governo Pedro Pedrossian (PDS/1980-1983), em maio de 1981, e depois entre fevereiro e março de 1983.
Nos governos seguintes: Wilson Barbosa Martins (PMDB/1983-1986) e Ramez Tebet (PMDB/1986-1987) praticamente não ocorreram atrasos, mas ainda assim os professores e outros servidores lutaram por reajustes salariais, pois a inflação galopante, marca da década de 1980 e início dos anos 1990, complicava a situação do trabalhador.
Entre 1987 e 1991 Marcelo Miranda Soares (PMDB) exerceu o governo pela segunda vez. A primeira foi entre 1979 e 1980, pela Arena/PDS. Aquela segunda gestão até conseguiu dar um considerável reajuste salarial por meio do plano de isonomia. No entanto, entre o final de 1990 e início de 1991, os servidores passaram a sofrer com atrasos, pois as mudanças na política econômica do governo Fernando Collor (PRN) levaram Mato Grosso do Sul a diminuir a arrecadação de impostos. Isso levou os servidores públicos a protagonizaram um dos momentos mais marcantes da história sul-mato-grossense, que repercutiu até na imprensa internacional: a ocupação da Governadoria, de 14 de fevereiro a 14 de março de 1991. O governador Marcelo Miranda que fizera uma administração marcada por avanços econômicos e pela construção do maior número de escolas no estado, encerrou-se de forma melancólica, sem que ele fosse recepcionar o governador eleito em 1990, Pedro Pedrossian.
Com a volta de Pedro Pedrossian ao Executivo, pelo PTB, de 1991 a 1994, foram poucos os casos de atrasos nos pagamentos. Contudo, as lutas dos servidores foram principalmente por reajustes justos para cobrir a hiperinflação que afetava as finanças não só dos servidores, como de toda população brasileira. Em dezembro de 1994, conforme matérias do jornal O Progresso, o pagamento do décimo terceiro salário iniciado pelos servidores estaduais de Campo Grande (e não para todo o estado como é feito hoje), levou os professores e sindicalistas douradenses Walter Hora e Ricardo Anzoategui a protestarem por meio de greve de fome, entre os dias 28 e 29 daquele mês em frente à Governadoria. Ambos só cessaram quando o futuro secretário de Educação do governador eleito Wilson Barbosa Martins, Aleixo Paraguassu, garantiu que o décimo seria quitado no início de janeiro de 1995.
A segunda gestão Wilson Barbosa Martins (PMDB/1995-1998) foi completamente diferente da primeira. O governo enfrentou aquela que é considerada a maior crise fiscal da história de Mato Grosso do Sul, pois herdou uma enorme dívida da gestão Pedro Pedrossian, além das questões econômicas nacionais, como taxa de juros altíssimas que fizeram a dívida estadual com a União aumentar muito. Wilson precisou de 2 anos e meio para colocar as contas em ordem, e somente a partir do segundo semestre de 1997, pode realizar investimentos mais volumosos. A situação caótica complicou ainda mais a vida do funcionalismo, que precisou recorrer à greves e campanhas de arrecadação de alimentos para que pudessem garantir o sustento de suas famílias. Polícia Civil, servidores de secretarias, do Judiciário, fiscais de renda, professores, servidores administrativos, entre outros, se revezaram em greves. A FETEMS liderou, entre 1995 e 1996, duas grandes greves da Educação, a primeira de mais de 80 dias, e a segunda, que durou 53 dias.
A situação começou a mudar a partir do governo José Orcírio, o Zeca do PT (1999-2006), responsável pelo início desses 23 anos de estabilidade no pagamento dos salários. De lá para cá já se foram duas gestões do petista, duas de André Puccinelli (PMDB/2007-2014) e quase duas de Reinaldo Azambuja (PSDB/2015 aos dias atuais) sem o problema de atraso salarial. A Lei de Responsabilidade Fiscal, aprovada em 2001, foi de fundamental importância para garantir que governos que encerravam os mandatos não deixassem também rombos nas contas públicas. O crescimento das receitas tributárias, graças a períodos de crescimento econômico também contribuíram para essa estabilidade.
Servidor com salário em dia gera uma cadeia de vantagens, principalmente em municípios de pequeno porte, onde ele contribui com o comércio local, por meio do consumo, financiamentos. Merecem os aplausos todos os sindicatos e militantes que lutaram para que dias melhores a esses trabalhadores tão importantes para a sociedade fossem garantidos, Todavia, é preciso estar sempre atento, pois as crises econômicas vão e voltam, e cobrar responsabilidade dos governantes para que esses problemas não retornem.