A articulação entre os diferentes saberes é pressuposto fundamental para uma prática pedagógica freireana. Não há saber mais ou saber menos, já nos ensinava Paulo Freire. E isso deve nos servir também para construirmos qualquer política educacional. Não foi o caso do malfadado Novo Ensino Médio (NEM), fruto de uma Medida Provisória imposta por um governo golpista e sem legitimidade como foi o de Michel Temer.
A Lei 13.415/2017 (Reforma do Ensino Médio) nasce, assim, já toda torta. Sem participação social e escrita entre quatro paredes (suspeita-se que sob a demanda de setores privados poderosos da educação que tinham interesses somente nos fartos recursos do orçamento público dessa área). E, desde então, esse projeto de um Novo Ensino Médio, empurrado garganta abaixo nas redes de ensino estaduais do país afora, vem caminhando a passos largos: elaborado ainda pelo Governo Temer, passa incólume por todo o Governo Bolsonaro, que estabeleceu o seu cronograma de implementação, mesmo com o MEC largado às traças naquele triste período da história política brasileira. Parecia ter vida autônoma.
Eis que chega ao poder o Governo Lula. Os setores majoritários da comunidade educacional brasileira, que o ajudou a se eleger e sempre estiveram no campo das melhores formulações das políticas públicas de educação em nosso país, esperaram, enfim, a revogação daquela lei federal que já nasceu comprometida com outros interesses que não aqueles expressos pelos preceitos de Paulo Freire. Para surpresa geral, o NEM se mostrou mesmo como algo poderoso, com uma vontade própria que suplantava os interesses políticos e educacionais tão diversos de governos tão diferentes. Como se fosse a coisa mais natural do mundo, a sua implementação foi se dando da forma mais automática possível.
Eis que amplos e majoritários segmentos da comunidade educacional brasileira começaram a pautar as imensas dificuldades daquele projeto de ensino médio, e mostrar todas as suas incongruências. A enorme pressão social que se deu em cima da nova gestão do MEC fez com que o Ministro Camilo Santana abrisse uma Consulta Pública para repensar o que vinha sendo implementado pelas redes de ensino com o NEM. Essa consultachegando ao fim: o prazo se encerra no próximo dia 6 de julho. E tudo indica, dando razão ao ditado popular, que pau que nasce torto tem mesmo muita dificuldade para se endireitar.
A Consulta Pública, ainda não encerrada quando escrevo esse artigo, parece que vai indicar uma participação pequena da comunidade educacional brasileira, pelos números preliminares que se tem visto publicamente. O governo fez um esforço de abrir um canal pelo aplicativo WhatsApp, de modo a tentar ampliar a participação, agora dos estudantes, deixados à margem desse debate. E também aqui a participação parece que está sendo pequena.
A verdade é que, desde o seu começo, ainda lá no ano de 2017, o NEM não envolveu a participação social como um importante fundamento na sua própria formulação. Arvorou-se em alterar uma importante etapa da nossa educação pública sem diálogo social e tampouco sem o envolvimento dos principais atores educacionais. A sua implementação na marra serve aos interesses de grupos privados da educação e, com o linguajar técnico que sempre o formatou, nunca conseguiu envolver setores mais amplos da comunidade educacional brasileira. Não seria agora o momento de esperarmos que a população nele se envolvesse, apesar dos esforços de amplos setores da sociedade civil e das organizações educacionais brasileiras, sindicais e acadêmicas.
O que se tem hoje é um NEM que vem sendo implementado com conteúdos que prejudicam a formação da nossa juventude, consolida uma escola ruim voltada para as classes menos abastadas de nossa sociedade e prejudica um número enorme de profissionais da educação por se verem, da noite para o dia, tendo que assumir disciplinas que nada têm a ver com a sua formação acadêmica. É um completo desastre em muitos sentidos.
E não dá para não continuar batendo na tecla da importância de se revogar toda essa legislação que tanta celeuma tem causado em nossa sociedade. Não dá para atender a Deus e ao Diabo ao mesmo tempo. Essa é uma proposta avessa a todo o acúmulo de uma educação libertadora e emancipadora que Freire nos legou. E nossa luta deve ser a de convencer os gestores máximos do Ministério da Educação do atual 3º Governo Lula de que essa proposta do NEM não tem remendo. A nossa luta, enquanto sociedade civil organizada da comunidade educacional brasileira, deve continuar sendo a de sua total revogação.
E não queremos voltar para o que se tinha antes. Temos propostas para melhorar o Ensino Médio brasileiro e o Parlamento deve assumir essa tarefa se o governo insistir em se omitir. Ou, o que seria pior, a se comprometer com uma proposta que atende somente os interesses privatistas da educação brasileira. Não queremos acreditar nisso e, por isso, mantemos viva nossa bandeira de revogar todo esse entulho autoritário do Governo golpista de Michel Temer e de Jair Bolsonaro. Por um Novo Ensino Médio emancipador para nossas juventudes!
(*) Por Heleno Araújo, professor, presidente da Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação (CNTE) e atual coordenador do Fórum Nacional da Educação (FNE)