De tantos meios cruéis e inadmissíveis para matar, a polícia brasileira sempre surge com algo irreparavelmente insano. Em Umbaúba, município de Sergipe, a vítima foi Genivaldo de Jesus Santos, assassinado pela Polícia Rodoviária Federal, com requintes de crueldade. Abafaram sua voz, seus direitos, sua vida. Abafaram tudo aquilo que é justo e constitucional. Rasgaram as leis, jogaram ao chão qualquer direito de civilidade e humanidade. Direitos humanos para quê? Para quem?
As barbáries não têm limites, não tem lugar ou hora, são realizadas bem no meio da rua, para todos assistirem e filmarem. Tem relação com a sensação e certeza de impunidade para aqueles que estão fardados e teoricamente teriam condições de carregar armas letais em suas viaturas. Não apenas carregam, como as usam constantemente.
Uma câmara de gás improvisada ceifou a vida de Genivaldo. Nunca saberemos ao certo qual foi seu crime, mas a sentença foi a morte: rápida e certeira. E pasmem: no Brasil, juridicamente, não existe pena de morte, logo, seja lá qual fosse o hediondo crime que Genivaldo houvesse cometido, ele deveria ir a julgamento; ou não?
Polícia arbitrária sentencia à pena de morte àqueles ao qual julga, no mesmo instante em que prende, não viver mais. Não foi um acidente, não foi um acaso, foi intencional, pensado, articulado e praticado. Mataram Genivaldo com spray de pimenta e gás lacrimogêneo.
O Estado democrático de direito deveria estar ao lado de todos, mas na prática serve a uma parcela da elite brasileira e suas forças. Ao chegar em um condomínio de luxo, a polícia pede licença, espera pacientemente ser atendida e conversa passivamente com o “cidadão de bem”, afinal, ele é branco, tem dinheiro, “mora bem”. Muito ao contrário quando a polícia aborda um cidadão comum nas ruas, simplesmente por ser negro, ou entra em bairros de periferia. A arma logo está em punho, há tapas e socos e mesmo que alguém se identifique, é arrastado com chutes para um canto da calçada ou levado para o camburão.
Genivaldo foi executado e precisamos nos indignar sim, é algo não aceitável moralmente. Para o sociólogo Gessé Souza, o negro no Brasil ainda é tratado e visto como uma subespécie, pois ainda vivemos vestígios da escravidão, ao qual brancos ricos submeteram milhares de pessoas aos seus serviços. Na obra “A elite do atraso”, o sociólogo deixa muito evidente essas características ainda vividas tensamente no país.
A violência retratada constantemente tem suas raízes lá no período da escravidão e vem perpassando gerações, tomando força durante o período da ditadura, e perpetuada até então. Os que não se revoltam, não conseguem desenraizar o pensamento de poder entre as classes. Pertenço a uma classe, logo, julgarei o contexto como “normal”, principalmente quando temos um governo genocida, defensor de armas e não de livros e embute às consciências o pensamento de “bandido bom é bandido morto”.
O Estado é dominante, tem regras e normas, e suas forças são alicerçadas em classes, e segundo a história real a conquista, a servidão, o reinado da força bruta é o que sempre tem triunfado.
Em 1977, Engels Friedrich, escreveu em “A Origem da Família, da Propriedade Privada e do Estado” que acabava de surgir uma sociedade que, “por força das condições econômicas gerais de sua existência, tivera que se dividir em homens livres e escravos, em exploradores ricos e explorados pobres; uma sociedade em que os referidos antagonismos não só não podiam ser conciliados como ainda tinham que ser levados a seus limites extremos. Uma sociedade desse gênero não poderia subsistir senão em meio a uma luta aberta e incessante das classes entre si, ou sob domínio de um terceiro poder que, situado aparentemente por cima das classes em luta, suprimisse os conflitos abertos destas e só permitisse a luta de classes no campo econômico, numa forma dita legal”.
O Estado nasce com o objetivo de atender os anseios da classe dominante e manter a exploração sobre os explorados e reprimir as possíveis revoltas da classe dominada. A história é clara e real. Vivemos desde sempre um constante conflito de interesses daqueles que detém o poder. É um ciclo sem fim, onde o pobre operário sempre surge como dominado.
Genivaldo sou eu, Genivaldo é você. Precisamos nos indignar, estudar nossas origens, exigir nossos direitos, principalmente o direito básico a vida. Direitos humanos são para nós, humanos, mas só valem enquanto estamos vivos, depois de mortos, não somos mais nada; apenas um nome usado por aqueles que pedem por justiça.
Ceyd Moreles – Jornalista, Especialista em Comunicação, mestranda em Letras pela UEMS.